Um
dia e isso não faz ainda muito tempo, um amigo meu estava andando descontraído
por um bosque, quando algo chamou a sua atenção. Era um ovo, branquinho, com
pintinhas. Aquele era um simples ovo… abandonado.
Ele
ficou indignado: “mas aonde já se viu isso? Como se não bastassem inúmeras
crianças abandonadas nesse país, agora estamos diante de casos de ovos,
igualmente abandonados! Mas que passarinha mais sem coração esta, não?!” Movido
pela compaixão social (ou seria, “compaixão zoológica?”), esse meu amigo
recolheu o ovo e logo passou a imaginar: “que ave poderá nascer desse ovo?”
pronto! Depois que fez essa pergunta, ele não sossegou mais. Seria uma galinha?
Um papagaio falante? Ou seria um raro tucano, que estaria ali dentro? Dominado
intensamente pelas perguntas, ele decidiu levar o ovo para casa.
Pegou
madeira, serrote, pregos, martelos… e começou a trabalhar. Puxou uma extensão
elétrica, aproximou uma luz, acomodou-o dentro de uma caixinha de lã da melhor
qualidade, mediu a temperatura ambiente para ver se esta proporcionaria a
possibilidade do ovo chocar e, depois de tudo preparado, ficaram ali por perto
uns minutinhos: “puxa, deu um trabalhão. Só espero que valha a pena…”. Os dias
se sucediam, e nada. Isso fez com que meu amigo passasse a observar
demasiadamente o desenvolvimento da sua ideia, torcendo para que desse certo.
Aí, aconteceu! O ovo começou a chacoalhar. O meu amigo ficou ansioso. O
ovo sacudia tanto, mas tanto, que até parecia que ia explodir. As primeiras
rachaduras surgiram… o coração do meu amigo estava a mil por hora, e a ação do
filhotinho dentro do ovo, também. Mas, para a sua surpresa não surgiu das
cascas uma galinha, nem um papagaio falante ou um filhote de tucano de rara espécie.
Aquele era o ovo de uma serpente…
Realmente,
ele ficou um tanto desconcertado com o resultado. Tanto trabalho, tanto
acompanhamento, e vai nascer logo um filhote de serpente? Tenha santa
paciência… Esta foi a sua primeira reação. Mas, depois, passado o choque, ele
raciocinou: “Sabe de uma coisa? Esta cobra até que não é tão feia, assim. É até
bonitinha… e já vem com um chocalhinho na ponta, inteiramente grátis!” Ele
decidiu adotá-la como seu animal de estimação, afinal neste mundo regido por
uma sociedade careta, existiam aquelas pessoas estranhas, com animais de
estimação mais estranhos ainda… Por que não ser diferente? Por que não possuir
um animalzinho exótico? Gatinho, cachorrinho, passarinho… Todo mundo possuía.
Cobra, daquela estirpe, não era para qualquer um não…
Não
demorou muito, aquele meu amigo estava morrendo de amores pelo seu novo
“hobby”: cuidar de um animal de estimação. Uma cobra… Por que não tratar aquela
criaturinha mais encantadora do universo como a sua própria filha, hein?! Por
que não? Repito: por que não?
Passavam-se
os dias e a cobrinha ia se desenvolvendo muito bem. E quando tinha fome, sai de
baixo, porque era uma fome daquelas! Quando o estômago roncava, o berreiro
começava! A cobrinha se esgoelava de chorar, levando o meu amigo a largar tudo
o que estivesse fazendo, para atender seu voraz apetite. “Calma, calma, a
mamadeira e o papai estão aqui. Pare de chorar”. Umas três vezes ele se pegou
falando assim…
No
finalzinho da tarde, quando o sol não estava mais tão quente assim, os dois
saíam para agradáveis passeios. A preocupação maior era para que o filhotinho
de cobra não apanhasse gripe.
Não
tinha uma noite em que o meu amigo não embalasse os sonhos do seu animal de
estimação, cantando belas canções de ninar. Noite após noite. Ah! Como a
serpente gostava de dormir ao som da sua voz.
Aquela
cobra saiu rapidinho da fase infantil. Agora era uma cobra “Teen”, com direito
a usar bonés de times de basquete e tudo mais. E possuía uma força daquelas! O
meu amigo, que gostava de brincar descontraído com PEK (esse foi o nome
carinhoso que escolheu para a serpentinha…) começou a perceber a força que PEK
tinha, porém, tratava de desconversar: “ora, ora, até que ela é fortinha, mas
quem tem o controle de tudo, sou eu…”
Depois
de alguns meses, a cobrinha tinha crescido bastante. Já não era mais uma cobra
“bebê”. Numa noite de muito frio, o meu amigo assistia a um programa de
televisão, quando teve uma grata surpresa; a cobrinha começou a envolvê-lo “
Hei, o que é que está fazendo?” Perguntou, enquanto ria. Ela apenas olhava
meigamente, enquanto continuava a enrolar-se nele. “Hei, até que esta não é uma
má ideia!” E, por um bom tempo os dois permaneceram ali na frente da TV…
De
tão orgulhoso que estava o meu amigo nem percebeu que a cobra havia mudado. O
fascínio que nutria pelo animal, só o levava a enxergar virtudes no próprio.
Mas grande verdade era que, a essa altura do campeonato, a cobra mudara, e
muito. Logo ele iria perceber isso…
Quando
foi um dia, o meu amigo retornou “morto” de cansado do trabalho. Durante o
caminho ele só pensava em tomar uma boa ducha, uma boa refeição, e cair na
cama. As duas primeiras partes do programa ele cumpriu direitinho, mas quando
foi para a cama, quem estava lá? Exatamente a serpente. Com voz de nítida
impaciência, ele foi enxotando a cobra do lugar: “mas o que é isso”? Vamos
saindo daí, rapidinho, que estou morrendo de sono. Sai… sai! Um gatinho, um
cachorrinho… teriam obedecido. Aquela serpente, não. Imóvel como estava imóvel
ficou. O meu amigo interpretou aquela atitude como uma afronta a sua autoridade
e partiu decidido para cima da cobra: “eu não queria isso, mas você me forçou a
fazê-lo”. “Agora você vai levar uns tapas”. Ao aproximar-se para bater no
animal, a serpente prontamente armou o bote e mostrou suas afiadas presas!
Presas de serpente adulta, diga-se por sinal. E eram afiadas, afiadas… Diante
da ameaça o rapaz recuou-se na hora! A cobra com ar de vitoriosa, apontou para
o chão, como que avisando: “Até hoje, você comandava a situação, mas a partir
dessa data, a casa tem um novo líder”. Quem comanda as coisas agora, sou eu e
se você quiser dormir neste quarto, então, aproveita sem reclamar o tapete aí
do chão. Pela primeira vez nessa história, o meu amigo se arrependeu de ter
apanhado aquele ovo…
Com
o passar dos dias, aquilo foi um enorme prazer, transformou-se numa incrível
dor de cabeça. Aquela cobra brutamontes não dava sossego e nem largava do pé. O
meu amigo perdeu todo e qualquer controle da situação e, se queria sair
sozinho, para dar uma volta ou mesmo visitar algum amigo… Não tinha jeito. A
cobra logo percebia, entrava no carro e ia junto.
E,
quando sentia que não estava recebendo a atenção que julgava merecedora, ele
logo dava um jeito de chamar a atenção para si. A situação ficou de um jeito
que nem estudar ou trabalhar, o meu amigo podia mais…
Um
dia quando meu amigo retornou do emprego e abriu a porta da sua casa se
encontrou com a casa toda destruída! Pek tinha quebrado tudo!!! Que raiva!!!
Sustentar
a Pek tinha se tornado insuportável. O dinheiro inteirinho do salário do meu
amigo não era suficiente pra alimentar aquela cobra tão grande!!!!
Realmente,
não tinha jeito de se livrar daquele peso. E com o passar do tempo, as
exigências foram aumentando. Agora, a cobra não queria mais rastejar. Reclamava
cansaço. Queria ser carregada, para cima e para baixo.
Até
que chegou um dia. A serpente veio, começou a enroscar-se nele, imobilizando-o
completamente. Ele reclamou: “Mas o que é isso?” Ela continuou o seu intento.
Ele implorou: “Por favor, não faça isso comigo. Lembre-se de que fui muito
bonzinho com você todo esse tempo. Por favor, pare!”. A essa altura ele já
estava totalmente imobilizado…
Ela
abriu a boca e em questão de segundos engoliu completamente o rapaz. A seguir,
palitou os dentes, deu um enorme arroto de satisfação e foi rastejando-se por
aí, deslizando a sua vitória.
Vomitando logo meu amigo que ficou inconsciente, quase morto.
Foi
nesse momento que meu amigo percebeu que não poderia sozinho com a cobra e
pegou um antídoto mortal que alguém tinha oferecido mas que nunca quisera
aplicar e colocou na cobra. Que logo morreu debaixo do poderoso efeito do
antídoto.
Que
alívio!! Meu amigo era livre!!! E o grande vencedor!!! Depois de aplicar a
vacina!
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